domingo, 14 de abril de 2013

Cães de raças perigosas: um contributo da Ciência

    Não são de agora as reflexões, as discussões e os impasses e decisões legais mais ou menos polémicas relativamente aos cães de raças ditas perigosas.
    Recentemente, o debate ressurgiu em força na sociedade portuguesa, aquando de mais um caso mortal envolvendo um destes cães comummente associados a perigo para seres humanos, em particular os tipicamente mais frágeis, bebés e idosos:
  Criança mordida por cão em Beja morreu no hospital
  O caso foi a tribunal, que deliberou o abate do cão em causa. A reação foi feroz, de apoiantes e opositores ao abate de animais nestas circunstâncias:
   Manifestação contra abate de animais nos canis desfila sábado em Lisboa
   Também na ressaca deste caso, mais uma decisão legal, na tentativa de diminuir incidentes que envolvam estes animais:
   Multas até 60 mil euros para quem deixar cães perigosos à solta
    Como sempre, é sensato decidir com base em factos e estudos credíveis e cuidadosamente preparados e apresentados, para as emoções não nos impedirem de tomar uma posição pessoal e com base em valores que abarquem não só seres humanos mas também não-humanos. 
    Reproduzimos um artigo, do site Ciência 2.0, que conta com a colaboração de uma especialista em comportamento animal da Universidade do Porto. Talvez assim consigamos ver para além do óbvio!

     O que explica cientificamente o comportamento canino, no que toca à agressividade? A ciência tem uma palavra a dizer quanto a este assunto que tem vindo a ser discutido em sociedade. 
    No senso comum ouvimos falar em raças potencialmente perigosas. Contudo, de acordo com Liliana de Sousa, docente de Etologia Animal do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), a expressão referida é "muito pouco científica". 
    “Todos os cães são potencialmente perigosos”, acrescenta. A nível científico, existe o factor genético, ou seja, os cães têm circuitos cerebrais programados geneticamente que podem condicionar o comportamento agressivo, mas depois há o fator ambiental não menos importante. Este fator ambiental é constituído pelos “inputs” do meio. Segundo Liliana de Sousa este é particularmente pertinente em “períodos sensíveis durante os quais se devem viver experiências adequadas”. 
    Nos períodos mais precoces da vida do cão, independentemente da raça, deve-se fazer a socialização. O circuito cerebral vai adaptar-se e moldar-se a esse mesmo fator: estar em sociedade. “Os primeiros três meses são cruciais. Por exemplo, se queremos que o cão viva com uma criança, então, durante esse tempo, deve estar logo em contacto com ela”, exemplifica. Se, pelo contrário, o animal estiver num ambiente hostil e de isolamento, terá um comportamento agressivo. “Os circuitos do sistema nervoso recolhem essa informação do meio ambiente e formam-se de acordo com este”, clarifica a docente. 
    Conhecemos estes mesmos dados através da investigação feita em ratinhos que o comprova. Uma das conclusões foi que os ratos desenvolvidos em isolamento, quando adultos, provocam e sofrem mais lesões do que os criados em ambiente normal. 
    O ideal para o cão, de acordo com o que sublinha a especialista, é estar com a progenitora durante os primeiros três meses de vida, dado que esta irá corrigir o seu comportamento, adaptando a cria ao ambiente social. “A seguir a esse período é necessário que o futuro dono continue o trabalho de socialização, através do contacto com outros animais, ou através do contacto desde cedo com crianças”, adianta. “As crianças têm movimentos atabalhoados e, por isso, é necessário que o cão se habitue a eles. Se ele nunca viu uma criança, não a vai identificar pelo seu comportamento como um ser humano”, acrescenta. 
    Curiosamente, ainda dentro do tema da agressividade, a ela está associada a capacidade de olfato do cão. É importante, por isso, por exemplo, que nos demos a cheirar antes de afagarmos o pelo de um cão que não conhecemos. Isto porque eles conseguem identificar se estamos ou não com medo e reagir de acordo com isso. 
    Quando sentimos medo, libertamos vários tipos de feromonas que são substâncias químicas captadas através do olfato. Esta capacidade de as detetar é comum a vários mamíferos. Para nós, seres humanos, o sentido do olfato não é primordial, uma vez que o usamos pouco em detrimento, por exemplo, da visão. 
    Mas para mamíferos como os cães é fundamental. “A via olfativa é para os cães muito importante a nível da comunicação. As feromonas dão indicações de determinados estados, como por exemplo o medo”, esclarece Liliana de Sousa.  
    “O que acontece quando temos medo é que há um nível de testosterona mais baixo e um nível elevado de ACTH (hormona adrenocorticotrófica)”, explica. Grandes quantidades de testosterona estão associadas, pois, à agressividade, enquanto que o ACTH está relacionado com os níveis de stress e de ansiedade.
    Quando estamos com medo há uma interação entre esse medo e a agressividade, percecionada pelo cão através de uma determinada quantidade de feromonas que dão a conhecer o estado hormonal de um outro mamífero, neste caso, o ser humano. "Numa situação de stress existem duas reações: a fuga ou o ataque. Se a pessoa ou o animal não tiver como fugir, então pode usar o ataque para se defender", clarifica a docente. É por esta razão que, apercebendo-se do medo no ser humano ou num outro animal, o cão pode reagir de forma agressiva.

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