quinta-feira, 25 de julho de 2013

Ilhas Selvagem: sobre aspetos geológicos, para além dos políticos

Reproduzimos artigo do Professor António Galopim de Carvalho, distinto Geólogo e Divulgador de Ciência (conhecido de alguns como Pai dos Dinossauros em Portugal), a propósito de um dos temas 'quentes' dos últimos dias. Porque o valor político, científico e natural destas ilhas não se esgota numa visita presidencial, é essencial conhecer para preservar!

Na semana que passou, os portugueses foram bombardeados com a visita do Presidente da República à Reserva Natural das Ilhas Selvagens, criada em 1971. Estas muito nossas pontuações rochosas emergentes das águas do Atlântico, a cerca de 160 km a norte das Canárias, têm sido, de há muito, alvo da cobiça dos “nuestros hermanos y vecinos”, nesta Europa a 27, onde a solidariedade é palavra quase esquecida.

É um conjunto de três pequenas ilhas ou ilhéus rodeados de baixios que, para além do seu muito interesse nos domínios da bio e da geodiversidade, fazem aumentar consideravelmente a Zona Económica Exclusiva de Portugal. 

Durante a curtíssima estadia do Presidente da República nesta parcela do território pátrio, falou-se da Estratégia Nacional para o Mar, falou-se de Mário Soares e de Jorge Sampaio, os dois presidentes que já ali se deslocaram em manifestações de soberania, e ali permaneceram apenas umas horas, e que foi o actual Chefe de Estado que, reafirmando a portugalidade da dita parcela, ali pernoitou; “uma noite tranquila”, no dizer do próprio, em contraste com a “noite mal dormida” a bordo da fragata Vasco da Gama. 

Falou-se do ROV, o veículo de observação remota, capaz de mergulhar até aos 6000m, nas profundezas oceânicas, falou-se da casa dos vigilantes e da única casa particular, ali construída em finais dos anos 60 do século passado, propriedade do médico e ornitólogo de origem britânica, Francis Zino, e falou-se muito de cagarras e um pouco menos das outras aves ali residentes. Entretanto, em Lisboa, prosseguiam as conversações entre as delegações do PSD, do PS e do CDS-PP, dizia-se que, com vista ao “compromisso de salvação nacional” proposto, dias antes, pelo ilustre visitante do minúsculo arquipélago.

Nesta visita, ninguém, nem o director do Parque Natural da Madeira (como era seu dever e da sua competência), explicou ao Professor, aos distintos acompanhantes e aos portugueses a natureza e a história geológica do local. Com alguma ligação a esse domínio do saber foram, contudo, ali proferidos dois temos:pedregulho, pela boca do Professor Cavaco Silva, ao aludir às irregularidades da vereda de acesso ao planalto, e ravina, pela voz do Dr. Alberto Jardim, no mesmo percurso, numa expressão, aliás, incorrecta, pois o que há ali é um escarpado ou, se quisermos, uma arriba. Ravina é um francesismo desnecessário, obtido por tradução de ravin, cujo significado é barranco. 

As Selvagens são a parte visível de um importante aparelho vulcânico edificado a partir do substrato oceânico (com 135 milhões de anos), a uma profundidade de 3000 a 4000 metros e quase completamente arrasado pela erosão na sua parte emersa. A Selvagem Grande, a maior destas emergências, corresponde ao que resta de um cone vulcânico no extremo nordeste de um alinhamento de orientação NE-SW, marcado pela isóbata dos 1000 m, cujo extremo SW corresponde ao outro cone do mesmo aparelho, testemunhado pela Selvagem Pequena e pelos ilhéus vizinhos.

No essencial e em termos muito gerais, a Selvagem Grande, com cerca de 5 km2, exibe uma superfície planáltica, a cerca de 100 m de altitude, terminada abruptamente sobre o mar, com arribas de 70 a 90 m de escarpado. Esta superfície, sub-horizontal e muito regular, é o resultado de erosão, por abrasão marinha, do relevo vulcânico primitivo, predominantemente construído por fonolito (rocha extrusiva rica de feldspatóides, equivalente vulcânica do sienito nefelínico, como o que temos na Serra de Monchique) durante o período Oligocénico, cuja idade isotópica foi avaliada entre 24 e 27 milhões de anos.

Sobre esta superfície, então submersa a muito escassa profundidade, formando um banco, depositou-se uma sequência de camadas sedimentares, com 5 a 10 m de espessura, com um conglomerado de cimento calcário, na base, a que se seguem níveis arenosos calcários com abundantes fósseis marinhos atribuídos ao Miocénico (Tortoniano inferior ou Serravaliano). Esta superfície acabou por de elevar uma centena de metros, razão de ser da sua actual situação planáltica. Acima dela sobressaem o Pico da Atalaia (163m), o Pico do Tornozelo (137m) e o Cabeço do Inferno (108m), elevações correspondentes ao que resta de três cones edificados por actividade vulcânica mais recente, testemunhada por piroclastos e escoadas de lavas basálticas (cujo primeiro derrame sobre a camada sedimentar fossilífera data de há cerca de 11,5 milhões de anos), num conjunto que se prolonga pelo Pliocénico e, talvez, pelo Quaternário antigo, que cobre o topo da sequência sedimentar que, assim, apenas é visível na periferia da ilha, no topo da arriba, entre os 80 e os 100 m de altitude.

Parte do planalto está atapetado por areias calcárias organogénicas, para ali transportadas eolicamente, oriundas de um litoral arenoso entretanto desaparecido. Como recursos hídricos, existem na ilha apenas três fontes de fraco débito e apenas em parte do ano: Fonte das Ovelhas, Fonte Salgada eFonte das Galinhas, pelo que o abastecimento de água se faz com recurso a duas cisternas, a Velha, no centro da ilha, e a Nova, a SW do pico da Atalaia.

A. Galopim de Carvalho

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Fruta e Saúde: qual a melhor altura da refeição para comer fruta?

   Transcrevemos um artigo do jornal Público sobre alimentação, sobre fruta e a melhor altura para a sua ingestão: antes, durante ou após a refeição? Ao que se segue, acrescentamos que, em particular nesta altura de temperaturas elevadas, é essencial ingerir muita fruta, em particular da época e com muita água!
   “Não comas a fruta depois do prato porque fermenta”, “Come metade da maçã antes do prato para diminuir a absorção de gordura” ou “Fruta deve ser comida de estômago vazio”, são certamente três chavões que já ouviu sobre o papel da fruta no contexto de uma refeição.
    Começando pelo que realmente é verdade. A ingestão de fibra tem potencialmente um papel positivo ao nível da diminuição de absorção de gordura. Todavia, não é obrigatoriamente necessário que exista a ingestão de uma peça de fruta antes da refeição para que esta interacção benéfica ocorra. De facto, um prato de sopa possui aproximadamente a mesma quantidade de fibra que uma peça de fruta, ou mais ainda se possuir leguminosas como o grão, feijão e favas na sua composição.
     Também os legumes cozidos ou saladas como acompanhamento do prato principal são excelentes fornecedores de fibra não sendo assim totalmente obrigatória a presença da fruta como “entrada”. Ainda a este nível, a ingestão de fruta no final de uma refeição tem duas potenciais vantagens: Por um lado, o teor de vitamina C de várias frutas como a laranja, morango e kiwi tem um papel benéfico na facilitação da absorção do ferro de origem vegetal presente na refeição (feijão, grão, pão, etc.). Numa outra perspectiva (mais especulativa é certo), do ponto de vista sensorial, a fruta pode fazer mais sentido no final da refeição ao conferir um carácter doce no seu epílogo, algo que muitas pessoas sempre procuram. Assim, ao inseri-la no início da refeição, este “fim de boca” salgado pode pedir algo mais e precipitar uma sobremesa doce tornando este esforço em vão.
     Passando à ficção científica da alimentação, a necessidade obrigatória de ingerir a fruta de estômago vazia sob pena de “fermentação” é mais uma bonita história sem qualquer tipo de verdade por detrás (a não ser que ingira a fruta já podre e já em processo de fermentação!). De facto, o ácido clorídrico presente no nosso estômago torna o meio tão ácido que muito dificilmente qualquer processo de fermentação lá ocorreria pois nenhuma bactéria conseguiria lá sobreviver. Aliás, um dos vários segredos do “sucesso” da Helicobater pylori (a famosa bactéria “da úlcera”), passa justamente pela sua capacidade de neutralizar a acidez do seu habitat no nosso estômago e assim colonizar mais facilmente.
    Aquilo que realmente fermenta é a fibra da fruta quando chega ao cólon pela flora intestinal lá presente, algo que acontece independentemente de quando e com que companhia a fruta foi ingerida. Os eventuais gases que se poderão sentir após a ingestão de fruta (bem como de hortícolas, leguminosas, cereais integrais ou outras fontes de fibra) não é um sinal de “rejeição” do nosso organismo a estes alimentos, mas sim de que os estamos a ingerir na quantidade adequada e temos uma flora intestinal funcionante. De resto, é esta mesma fibra que possui vários benefícios para a nossa saúde como a melhoria do trânsito intestinal, diminuição do colesterol e prevenção de diabetes tipo II, doenças cardiovasculares e cancro colo-rectal.
    Assim, mais do que se preocupar com o que é ideal ao nível do momento de ingestão, foque-se em atingir as cinco porções diárias de fruta e legumes pois esse sim é o verdadeiro problema. Se nas grandes refeições comer sopa, fruta e alguns legumes no prato já atingiu esse objectivo, depois a ordem com que o faz é consigo!
   Em resumo:
    - Antes, durante ou no final da refeição, coma fruta na altura em que lhe sabe melhor
    - Aumente a ingestão de fibras na refeição, seja através da sopa, saladas, legumes cozidos ou fruta
    - Sim, a fibra da fruta fermenta nos nossos intestinos (quando tal não acontecer é que será de estranhar!)