'De um momento para o outro e por qualquer motivo desconhecido,
todas as pessoas desaparecem das cidades; surgirão vencedores e vencidos
biológicos, no contexto citadino definitivamente abandonado pelos seus
criadores.
No momento em que pela primeira vez a população urbana portuguesa ultrapassou a população rural, a especulação sobre o que aconteceria num ambiente urbano sem portugueses é curiosa, apresentando-se como uma realidade que deveremos tomar em atenção. No I Congresso Europeu de Conservação Biológica, em 2006, foi discutido que “com metade da população mundial a viver actualmente em cidades e a previsão de 60% em 2030, o ambiente urbano é um dos pontos principais da agenda global de ambiente e de conservação.” Mas o que se passaria nas nossas cidades, após o desaparecimento de todos os portugueses?
No momento em que pela primeira vez a população urbana portuguesa ultrapassou a população rural, a especulação sobre o que aconteceria num ambiente urbano sem portugueses é curiosa, apresentando-se como uma realidade que deveremos tomar em atenção. No I Congresso Europeu de Conservação Biológica, em 2006, foi discutido que “com metade da população mundial a viver actualmente em cidades e a previsão de 60% em 2030, o ambiente urbano é um dos pontos principais da agenda global de ambiente e de conservação.” Mas o que se passaria nas nossas cidades, após o desaparecimento de todos os portugueses?
Os vencedores
Entre os vencedores biológicos deste omnicídio estão os
mosquitos, que sem campanhas de extermínio, e aproveitando-se de zonas húmidas,
aumentarão exponencialmente o seu número. Esses insectos alimentar-se-ão de
animais como as aves. Estas, sem cabos de alta-tensão e arranha-céus
(entretanto destruídos, por falta de manutenção), poderão voar livremente.
Todos os anos os arranha-céus são responsáveis pela morte de 1000 milhões de
aves, só nos EUA. Para Daniel Klem Jr., ornitólogo do Muhlenberg College,
o revestimento em vidro dos edifícios das cidades constitui um fenómeno
“indiscriminado, eliminando aptos e não-aptos”. As aves colidem com aquelas
estruturas, pois não as conseguem identificar, por serem espelhadas, vendo
apenas o céu ou árvores reflectidas. Segundo este investigador, só a destruição
de habitats tem um impacto mais negativo sobre as aves.
E os nossos animais de estimação?
E os nossos animais de estimação?
Os gatos contam-se entre os prováveis vencedores do período
pós-humano, caçando pequenos mamíferos, insectos e aves, à semelhança do que
fazem actualmente. Gradualmente aumentarão de tamanho, competindo directamente
com outros predadores. Os cães poderão ter dois destinos. As raças de
comportamento dominante agrupar-se-ão em matilhas, à semelhança do que ocorre
hoje em dia, em matilhas de cães assilvestrados. Desta forma poderão
sobreviver, readquirindo alguns comportamentos ancestrais dos lobos,
percorrendo ruas e avenidas em busca de presas. Presentemente, os cães
abandonados são responsáveis por ataques a rebanhos que ocorrem no nosso país,
embora os proprietários prefiram responsabilizar o lobo-ibérico… Na minha
opinião, os cães mais dóceis ou pequenos serão remetidos para nichos ecológicos
reduzidos, ou terão como destino a extinção. O meu Labrador provavelmente
não se safaria…
Flora exótica como espanta-lobos (Ailanthus altíssima), robínia (Robinia pseudoacacia), acácia-de-espigas (Acacia longifolia) e árvore-do-incenso (Pittosporum ondulatum) existem nas nossas cidades, tendo sido aí introduzidas para ornamentação de jardins, arborização de espaços urbanos e sebes. A espanta-lobos é proveniente da China, produzindo até 350 000 sementes anualmente. Além de extremamente agressiva para as plantas autóctones, liberta toxinas que impedem o desenvolvimento de vegetação em seu redor. Sem campanhas de erradicação, algumas plantas exóticas substituirão definitivamente as plantas originais, colonizando cada vez maiores áreas e modificando a paisagem natural. Segundo Elizabete Marchante, do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, “desde há pouco tempo, começou a surgir em espaços urbanos outra espécie (Sesbania punicea) que, apesar de ainda não ser invasora em Portugal, é uma invasora perigosa em ecossistemas com clima idêntico.”
Flora exótica como espanta-lobos (Ailanthus altíssima), robínia (Robinia pseudoacacia), acácia-de-espigas (Acacia longifolia) e árvore-do-incenso (Pittosporum ondulatum) existem nas nossas cidades, tendo sido aí introduzidas para ornamentação de jardins, arborização de espaços urbanos e sebes. A espanta-lobos é proveniente da China, produzindo até 350 000 sementes anualmente. Além de extremamente agressiva para as plantas autóctones, liberta toxinas que impedem o desenvolvimento de vegetação em seu redor. Sem campanhas de erradicação, algumas plantas exóticas substituirão definitivamente as plantas originais, colonizando cada vez maiores áreas e modificando a paisagem natural. Segundo Elizabete Marchante, do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, “desde há pouco tempo, começou a surgir em espaços urbanos outra espécie (Sesbania punicea) que, apesar de ainda não ser invasora em Portugal, é uma invasora perigosa em ecossistemas com clima idêntico.”
As árvores vencedoras do abandono humano ocuparão a maioria das
ruas ao fim de dois a quatro anos. As suas raízes irão destruir
progressivamente asfalto e passeios, bem como a rede de água e esgotos,
contribuindo para o cada vez maior esquecimento dos vestígios humanos.
Nada do aspecto actual das cidades será mantido. Se houvesse alguém para o descrever, veria um ambiente caótico em que as marcas de construção humana seriam, pouco a pouco, engolidas pela vegetação.
Nada do aspecto actual das cidades será mantido. Se houvesse alguém para o descrever, veria um ambiente caótico em que as marcas de construção humana seriam, pouco a pouco, engolidas pela vegetação.
Os derrotados
Os perdedores biológicos do nosso abandono serão vários. Sem a
presença humana, as cidades e zonas próximas serão mais um ambiente a explorar.
Manadas de vacas à solta serão um manancial meigo para lobos e raposas.
Estas serão uma fonte de alimento fácil para todo o tipo de predadores, que se aproximarão cada vez mais dos ambientes urbanos. Cadáveres de porcos, por alimentar, serão fonte de alimento para todo o tipo de necrófagos. Algumas das aves, como os corvos, habituais em ambientes urbanos mais a norte, invadirão inicialmente as urbes, alimentando-se das carcaças. Este ciclo será apenas momentâneo, uma vez que sem o factor humano presente a fonte de alimento em putrefacção condicionará aqueles vencedores fugazes. As galinhas com sua capacidade de se geo-orientarem, recentemente descoberta, não encontrarão caminho para uma salvação evolutiva. Voadoras débeis, serão para o futuro sem humanos o que o Dodó foi para o séc. XXI humanos – uma recordação…
Estas serão uma fonte de alimento fácil para todo o tipo de predadores, que se aproximarão cada vez mais dos ambientes urbanos. Cadáveres de porcos, por alimentar, serão fonte de alimento para todo o tipo de necrófagos. Algumas das aves, como os corvos, habituais em ambientes urbanos mais a norte, invadirão inicialmente as urbes, alimentando-se das carcaças. Este ciclo será apenas momentâneo, uma vez que sem o factor humano presente a fonte de alimento em putrefacção condicionará aqueles vencedores fugazes. As galinhas com sua capacidade de se geo-orientarem, recentemente descoberta, não encontrarão caminho para uma salvação evolutiva. Voadoras débeis, serão para o futuro sem humanos o que o Dodó foi para o séc. XXI humanos – uma recordação…
Mas e os odiados ratos e ratazanas? Dependentes dos desperdícios
alimentares humanos, estas espécies de mamíferos declinarão, servindo de
refeição a vários predadores. As baratas, de quem se diz serem capazes de
sobreviver a um ataque nuclear, terão igualmente a vida difícil, pois os
ambientes humanos aquecidos e com comida disponível terão desaparecido. Em
especial no hemisfério norte, como atesta Alan Weisman no seu recente livro
“World without us”, as fontes de calor permitem que aqueles insectos rastejantes
vivam em cidades com Invernos rigorosos. Outros insectos, como gorgulhos e
traças, anteriormente muito abundantes em quase todos os continentes, entrarão
em declínio; as fontes de alimentos que as sustentavam (essencialmente cereais)
acabarão pouco a pouco. Uma incógnita evolutiva serão as formigas. Connosco
partilhavam os ambientes citadinos, apossando-se de alguns dos nossos domínios.
Carreiros de obreiras invadiam as casas, procurando todo alimento para
transportarem para as suas colónias. Contudo, devido ao seu carácter social,
terão maior facilidade em se adaptar a ambientes desprovidos de sobras humanas.
No cômputo geral, verificar-se-á um acréscimo na biodiversidade bem como o lento restabelecimento das dinâmicas estruturais dos ecossistemas, dos ciclos biogeoquímicos e das alterações climáticas.
No cômputo geral, verificar-se-á um acréscimo na biodiversidade bem como o lento restabelecimento das dinâmicas estruturais dos ecossistemas, dos ciclos biogeoquímicos e das alterações climáticas.
Marcas não vivas
As zonas florestadas das cidades, até agora remetidas a parques ou passeios, alastrarão por áreas cada vez maiores, contribuindo com galhos e folhas para que a matéria orgânica depositada no solo (ou no cada vez menor alcatrão disponível) seja abundante.
Todo este combustível orgânico será um potencial alimentador de incêndios, originados por relâmpagos ou por curto-circuitos dos sistemas eléctricos sem manutenção. Ao fim de alguns anos, os incêndios terão alterado o aspecto das cidades, destruindo construções e mobiliário urbano.
A estatuária, distintiva de qualquer ambiente citadino, será,
pouco a pouco, tragada pelo correr do tempo. As estátuas, em especial as de
calcário ou mármore, serão lentamente meteorizadas por chuvas carregadas de
dióxido de carbono, que dissolverão o carbonato de cálcio de que são feitas.
Faces, membros e corpos serão arrastados pelas águas que caem do céu, levando
as memórias de monarcas e poetas para os rios e o mar. Este fenómeno será
geologicamente rápido, ou seja, escassas centenas de anos.
O mesmo fenómeno ocorrerá nos revestimentos dos edifícios. O
outrora imponente e belo granito polido dará lugar a uma estrutura que se
desagrega – fenómeno originado pela alteração dos feldspatos em argilas.
A ponte sobre o Tejo, sem manutenções regulares, entrará num
processo de desagregação. Mesmo a sua estrutura reforçada, que outrora permitia
a circulação de comboios, não evitará o seu colapso.
Segundo William Rathje, da Universidade de Stanford, arqueólogo especializado em desperdícios humanos, ao fim de 10000 anos ainda será possível ler os jornais do último dia dos seres humanos na Terra. Em ambientes anóxicos (sem oxigénio), como aqueles em que os jornais são cobertos por sedimentos, os constituintes do papel permanecem inalteráveis, à semelhança do que ocorreu com os papiros com mais de 3000 anos. Ao fim de 15000 anos, os últimos de vestígios de edifícios serão tragados pelo avanço de glaciares que uma nova Idade do gelo originará. Os níveis de dióxido de carbono só ao fim de cem mil anos atingirão níveis idênticos ao do período pré-industrial. Apenas ao fim de 35000 anos terão desaparecido os últimos vestígios de chumbo, acumulados ao longo de dezenas de anos de utilização automóvel.
P assados dez milhões de anos, as únicas marcas da nossa fugaz passagem pelo planeta serão, por exemplo, estátuas de bronze, como a do Rei Dom José I, no Terreiro do Paço. Apenas a sua forma contemplará o Tejo (ou o local onde este estaria) num planeta sem seres humanos…'
Segundo William Rathje, da Universidade de Stanford, arqueólogo especializado em desperdícios humanos, ao fim de 10000 anos ainda será possível ler os jornais do último dia dos seres humanos na Terra. Em ambientes anóxicos (sem oxigénio), como aqueles em que os jornais são cobertos por sedimentos, os constituintes do papel permanecem inalteráveis, à semelhança do que ocorreu com os papiros com mais de 3000 anos. Ao fim de 15000 anos, os últimos de vestígios de edifícios serão tragados pelo avanço de glaciares que uma nova Idade do gelo originará. Os níveis de dióxido de carbono só ao fim de cem mil anos atingirão níveis idênticos ao do período pré-industrial. Apenas ao fim de 35000 anos terão desaparecido os últimos vestígios de chumbo, acumulados ao longo de dezenas de anos de utilização automóvel.
P assados dez milhões de anos, as únicas marcas da nossa fugaz passagem pelo planeta serão, por exemplo, estátuas de bronze, como a do Rei Dom José I, no Terreiro do Paço. Apenas a sua forma contemplará o Tejo (ou o local onde este estaria) num planeta sem seres humanos…'
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