Partilhamos artigo do Dr. Nuno Borges, da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto publicado no Público
Tem milhares de anos a tendência do Homem em ingerir alimentos contendo uma substância chamada cafeína. O seu nome deriva do facto de ter sido pela primeira vez isolada do café. Esta planta terá sido inicialmente usada na antiga Etiópia, sendo que os primeiros registos históricos fidedignos do seu uso remontam ao séc. XV, então já como bebida.
A cafeína está presente não só no café como noutra planta, o chá. Também sob a forma de uma bebida, o chá constitui outra forma bastante frequente de consumo de cafeína, existindo relatos da sua utilização como bebida desde há cerca de 5000 anos. Fica assim evidente que o consumo desta substância é muito antigo e praticamente universal, a que acresce a sua presença em bebidas à base de outras plantas, como a cola, o guaraná, ou o cacau, e mais recentemente naquelas a que a cafeína é artificialmente adicionada, como é o caso de muitas bebidas designadas de “energéticas”.
A cafeína exerce sobre o nosso organismo acções bem estudadas e que, de modo geral, são estimulantes de vários órgãos e sistemas. No sistema nervoso central, este composto é capaz de aumentar os níveis de alerta e reduzir a sensação de cansaço, efeito este procurado por muitas pessoas para conseguir desenvolver uma determinada actividade, como estudar ou conduzir, durante mais tempo. Esta substância, que absorvemos rápida e totalmente, é ainda capaz de exercer outros efeitos importantes como sejam uma ligeira melhoria do rendimento desportivo em exercícios de resistência ou aumento da capacidade respiratória.
Mais interessantes são os seus efeitos quando usada cronicamente, o que, aliás, se verifica ser a prática corrente na maioria dos consumidores. Assim, o consumo de café está relacionado com menor incidência de alguns cancros, sobretudo do fígado, e, nos consumidores regulares, parece haver menos casos de doenças neurodegenerativas, como a Doença de Alzheimer. Mais ainda, a despeito do seu efeito estimulante sobre o aparelho cardiovascular, o consumo crónico de cafeína não está ligado a maior número de casos de hipertensão arterial ou arritmias.
Como em qualquer substância com propriedades farmacológicas, a questão da dose é da maior importância. Considera-se que a maioria dos efeitos benéficos aparece num intervalo de consumo diário entre os 200 e os 400mg. Este valor corresponde a, por exemplo, dois a quatro cafés expresso, 0,5 a 1L de chá, 2 a 4L de refrigerante de cola ou guaraná ou 3 a 5 latas de 250mL de uma bebida energética (de onde se conclui que os alegadamente elevadíssimos valores de cafeína destas bebidas são apenas ficção). Acima destes valores, não só não parece haver nenhum benefício como se tornam mais evidentes os excessivos efeitos de estimulação do sistema nervoso central, com o aparecimento de insónias, ansiedade e nervosismo.
Sabemos também que o consumo em crianças e adolescentes não é recomendado, pela muito maior sensibilidade aos seus efeitos que resulta muitas vezes numa indesejável perturbação do sono, mesmo com quantidades pequenas como as que estão presentes nos refrigerantes citados. Também as grávidas devem limitar o seu consumo (máximo de 200mg por dia), uma vez que têm menor capacidade de a metabolizar.
A ciência tem, deste modo, afastado alguns temores infundados que ainda percorrem o imaginário colectivo acerca do consumo de cafeína. Na justa proporção, o consumo de café ou chá, principalmente, pode até revelar interessantes efeitos protectores na saúde a longo prazo, contrariando deste modo o velho aforismo “ o que sabe bem, ou faz mal ou é pecado”.