quinta-feira, 12 de julho de 2012

A conduta dolosa da Ciência? Heinrich Rohrer


   O vencedor do prémio Nobel em 1986, Heinrich Rohrer escreve sobre atividade científica: a legítima e a não legítima, para o Público: A conduta dolorosa da Ciência?, no Jornal Público de 5 de julho de 2012.
   Os órgãos de comunicação social têm relatado cada vez mais casos de fraude científica, plágio e escrita fantasma, criando a impressão de que a conduta fraudulenta se tornou num mal generalizado e omnipresente na investigação científica. Mas estas notícias representam mais um exemplo da forma como os órgãos de comunicação social se agarram a um tema "quente", do que propriamente uma descrição fiel da deterioração dos valores da ciência.   Longe de serem a prática habitual na investigação científica, as fraudes e as irregularidades são raras excepções e geralmente são rapidamente identificadas por outros cientistas. E o público parece entender este facto. Na verdade, a confiança na investigação científica não tem sido seriamente prejudicada por denúncias de conduta irregular. Por outro lado, estes raros incidentes também não têm reduzido o progresso científico, que é tão valioso para a humanidade.

  De facto, por mais reduzido que seja o número de casos de conduta científica imprópria, é sempre excessivo. Os cientistas devem ser faróis de esperança na busca do conhecimento – e inteligentes o suficiente para não tentarem tirar partido de condutas fraudulentas. Existem mecanismos de prevenção para responsabilizar os poucos que arriscam esse tipo de procedimento. Mas, embora a comunidade científica – incluindo instituições académicas e profissionais, chefes das agências, directores e editores – se sinta muitas vezes relutantes em resolver de forma rigorosa os casos de conduta fraudulenta, é a reputação da ciência como um todo que está em jogo e não apenas a de uma pessoa, instituição, revista ou entidade nacional de ciência.   Ironicamente, aqueles que são apanhados em falta por conduta irregular atribuem geralmente a culpa à concorrência, à pressão para a publicação e ao reconhecimento e prémios – as mesmas práticas e incentivos que a própria comunidade científica introduziu e fomentou. Com efeito, muito embora a ameaça do número de casos de conduta irregular seja exagerada, temos de repensar a forma como conduzimos a ciência – os seus valores, virtudes e pontos fracos.   Os cientistas devem seguir um caminho que não seja pré-definido do ponto de vista científico e isto exige que se tomem decisões a cada passo. Se estão certos ou errados, apenas se saberá em retrospectiva, é por isso que os erros são inevitáveis (embora devam ser corrigidos num curto espaço de tempo). Ciência significa manter um equilíbrio difícil entre fé cega e curiosidade, entre conhecimento e criatividade, entre preconceitos e abertura; entre experiência e epifania, entre ambição e paixão e entre arrogância e convicção – em suma, entre um velho hoje e um novo amanhã.   Mas, actualmente, cada vez mais a investigação é mal orientada, visando prémios lucrativos, reconhecimento profissional e ganhos financeiros – recompensas que estão sufocar a criatividade e a paixão que o progresso científico exige. Como referiu T.S. Eliot: "Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação?"   
   Nas ciências "exactas" como a matemática e a física, a verdade pode ser estabelecida de forma mais transparente, o que faz com que estas áreas sejam menos propensas a uma conduta científica imprópria. Mas as áreas da medicina, ciências humanas, filosofia, economia e outras ciências sociais, que dependem mais da abertura e imaginação, podem ser mais facilmente manipuladas para satisfazer os objectivos de burocratas.   
Na verdade, muitas das áreas actualmente designadas como "ciências" – por exemplo, a recolha de estatísticas tendenciosas, com o objectivo de favorecer um político (ou empresa), ou a publicação de uma variante do conhecimento existente – estão muito aquém dos padrões científicos de originalidade e da procura de percepção básica.   
   E contudo, apesar da burocratização da ciência ter alimentado preocupações a respeito da sua capacidade para cativar pensadores talentosos, não devemos ser excessivamente pessimistas. Com efeito, muitas pessoas lamentaram que se tivessem perdido mentes brilhantes para o sector financeiro ao longo das últimas décadas. Mas talvez devêssemos considerar que o facto de esses génios terem ido criar os seus caos noutro lugar foi um golpe de sorte.   Além disso, subestimamos a nova geração de cientistas. Tal como na geração anterior, muitos jovens investigadores talentosos sabem que têm de trabalhar com afinco para enfrentar gigantescos desafios e fornecer contributos valiosos à sociedade.Mas devemos ter cuidado para não corromper o seu trabalho com as práticas questionáveis que a comunidade científica adoptou nos últimos anos. A nova geração de investigadores tem de ser dotada de competências e valores – não apenas de ideais científicos, mas também da consciência sobre as fraquezas humanas – que lhe permitirão corrigir os erros dos seus antecessores.   

Tradução: Teresa Bettencourt/Project Syndicate

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