quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Afinal o que é a Vida? E como começou? (Luís Alcácer)

 
   Não havia espaço, nem tempo. Nem matéria, nem energia. Era o "vácuo" (o "nada"). Mas, o "vácuo" também não existia. Era apenas um estado quântico. Nos primeiros 10-43 segundos (0.0000000000000000000000000000000000000000001 segundos) os físicos não sabem bem o que aconteceu. Isso foi há cerca de 15 mil milhões de anos! Deram-lhe o nome de "Big Bang". A partir daí, a física tem uma teoria relativamente bem fundamentada, suportada por observações da radiação cósmica.     
  
   A Terra deve ter-se formado há cerca de 4.56 mil milhões de anos. A existência de fósseis data a origem da vida na Terra, em pelo menos 3,5 mil milhões de anos. Há mesmo vestígios fósseis de células primitivas em rochas da Groenlândia com pelo menos 3,8 mil milhões de anos. A vida poderia ter começado, ainda muito antes, noutro astro de um qualquer sistema, ou em mais do que um. Para o caso, isso é irrelevante. De entre as moléculas que havia na Terra antes do aparecimento da vida (há 3 ou 4 mil milhões de anos) estavam provavelmente a água, o dióxido de carbono, o metano e a amónia. Os químicos têm tentado imitar essas condições, colocando essas substâncias num balão e aplicando-lhes uma fonte de energia (luz ultravioleta ou descarga eléctrica — simulação de relâmpagos). Passadas algumas semanas encontram no balão moléculas mais complexas do que as originais: aminoácidos (blocos da construção de proteínas), purinas e pirimidinas - blocos da construção do ADN (ácido desoxirribonucleico).
 




 Em dado momento formou-se, por causas ainda obscuras, uma molécula capaz de criar cópias de si mesma: um "replicador", que actuava como modelo, no caldo rico nos blocos moleculares necessários à formação de cópias.
   Surgiram entretanto vários replicadores que competiam entre si pelos tais blocos. As variedades menos favorecidas ter-se-ão extinguido. As que sobreviveram construíram "máquinas de sobrevivência" dentro das quais pudessem viver. Actualmente os replicadores são os genes e as "máquinas de sobrevivência" somos nós! O gene é uma "entidade molecular" de extraordinária estabilidade — só assim se justifica a sua sobrevivência. Essa estabilidade de moléculas e agregados só se pode explicar pela ligação química e pelas interacções intermoleculares (e.g., ADN = 2 hélices enroladas uma sobre a outra!). A teoria que explica a ligação química e estabilidade das moléculas é a teoria QUÂNTICA.
   A descoberta da síntese da ureia em 1828 por Friedrich Woehler, a partir do cianato de amónio (sal inorgânico) derrubou a teoria de que os compostos orgânicos só poderiam ser sintetizados pelos organismos vivos (teoria da força vital).
  Em 1922 o cientista russo Oparin sugeriu que a vida da célula foi precedida de um período de evolução química.
   Em 1953, Stanley Miller (na Universidade de Chicago), então com 23 anos, realizou uma experiência que ficou célebre: c
olocou num reactor (balão), uma mistura de amónia, hidrogénio e vapor de água (a que se chamou depois, a sopa primitiva). Queria assim simular a atmosfera primitiva. Depois de selar o reactor, provocou sucessivas descargas eléctricas no seu interior. Duas semanas depois (e muitas descargas) o líquido começou a mudar de cor. Quando o analisou encontrou pelo menos dois aminoácidos: a alanina e a glicina. As interacções entre estas moléculas poderiam levar à formação de moléculas mais complexas. A formação de ácidos nucleicos poderia ser um indício de vida pré-celular. De facto, em experiências posteriores (com outros reagentes inorgânicos simples) foram detectados ácidos nucleicos. A adenina poderia ser obtida a partir da polimerização de cianeto (que se poderia facilmente formar numa atmosfera primitiva). A adenina e outras bases poderiam, na presença de ácidos nucleicos, auto-organizar-se e formar hélices. Eventualmente, estes elementos pré-celulares poderiam ser envolvidos por uma membrana (lípido-proteína) dando origem a células primitivas.                        

 É, então, possível criar um ser vivo artificial a partir de matéria inorgânica?
   

   A experiência de Miller levou à ideia de criar vida artificial. Tem havido muitas tentativas. David W. Deamer, por exemplo, da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, lançou a ideia de criar uma "protocélula" (célula primitiva) há cerca de 30 anos. Segundo ele, a protocélula deveria satisfazer 12 requisitos, nomeadamente, ter uma membrana que capta energia, manter gradientes de concentração de iões, confinar macromoléculas e dividir-se. As macromoléculas devem poder crescer por polimerização, evoluir, armazenar informação, ter a possibilidade de sofrer mutações, promover o crescimento de polímeros catalíticos. Vários laboratórios já conseguiram alguns destes requisitos, mas ainda faltam dois: i) a célula deve conter genes e enzimas que podem ser replicados e ii) esses genes devem ser partilhados entre as células filhas. David W. Deamer espera que, brevemente, seja possível atingir estes objectivos, talvez através de uma enzima que se duplique, e actue simultaneamente como material genético e catalisador.
   
  Albert Libchaber, da Rockefeller University, sintetizou um plasmódio (célula com vários núcleos, formada através da divisão de um núcleo inicial) que gera proteínas e as coloca em sacos de membranas.Estas células (que funcionam) sobrevivem por 4 dias, mas não conseguiu que se reproduzissem. Em Junho de 2007 apareceu nos media (e. g., BBC News) uma notícia que deixou muito boa gente estupefacta: um grupo de cientistas submeteu um pedido de patente para um método de criar um "organismo sintético". O pedido de patente, do Instituto J. Craig Venter, reclama propriedade exclusiva de um conjunto de genes e de um organismo sintético vivo, que pode crescer e replicar-se, feito a partir desses genes. 
  O termo "BIOLOGIA SINTÉTICA" apareceu pela primeira vez no título de um artigo na revista NATURE em 1913, mas desapareceu até 1980, altura em que é aplicado no mesmo sentido que a tecnologia do ADN recombinante. Hoje em dia, o termo é usado para descrever a engenharia de circuitos genéticos, genomas e mesmo organismos. A definição de biologia sintética é ilusiva, com o é a definição de "vida" diz Vincent Noireaux, professor de física da Universidade de Minnesota. Há ainda muitas questões fundamentais a resolver.

   A vida parece ser comportamento ordenado da matéria, não baseado na tendência para passar da ordem à desordem (Segundo Princípio da Termodinâmica), mas sim na ordem existente, que se perpetua, ou mesmo na passagem da desordem à ordem (por auto-organização ou self-assembly). Mas sobre isso dissertarei noutra altura.


Luís Alcácer

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